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aprendemos a louvar o mundo: entramos no cosmos da palavra.
Então, que nova companhia do mundo e do seu sonhador!
Um devaneio falado transforma a solidão do sonhador solitário
numa companhia aberta a todos os seres do mundo. O sonhador
fala ao mundo, e eis que o mundo lhe fala. Assim como a duali-
dade do observado ao observador se magnifica numa dualidade
do Cosmos ao Argos, a dualidade mais sutil da Voz e do Som
ascende ao nível cósmico de uma dualidade do sopro e do vento.
Onde está o ser dominante do devaneio falado? Quando um so-
nhador fala, quem fala, ele ou o mundo?
Invocaremos aqui um dos axiomas da Poética do Devaneio,
um verdadeiro teorema que deve convencer-nos a ligar indissolu-
velmente o Sonhador e o seu Mundo. Esse teorema, buscamo-lo
em um mestre em devaneios poéticos: "Todo o ser do mundo,
se sonha, sonha que fala."2'
Mas o ser do mundo sonha? Ah, antigamente, antes da "cultu-
ra", quem duvidaria disso? Cada qual sabia que o metal, na
mina, amadurecia lentamente. E como amadurecer sem sonhar?
Como, num belo objeto do mundo, reunir bens, poderes, odores,
sem acumular os sonhos? E a Terra quando não girava ,
26. "A imagem é formada pelas palavras que a sonham", diz Edmondjabès,
Les mots tracent, p. 41.
27. Henri Bosco, L'antiquaire, p. 121. E que páginas, as páginas 121 e 122,
para quem quer compreender que o devaneio poético une o sonhador e o mundo!
180 '' '" l-y" A POÉTICA DO DEVANEIO
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como, sem sonhos, teria amadurecido suas estações? Os grandes
sonhos de cosmicidade são garantias da imobilidade da Terra.
Embora a razão, depois de longos trabalhos, venha provar que
a Terra gira, também não deixa de ser verdade que tal declaração
é oniricamente absurda. Quem poderia convencer um sonhador de
cosmos que a Terra gira sobre si mesma e voa no céu? Não se
sonha com idéias ensinadas28.
Sim, antes da cultura o mundo sonhou muito. Os mitos saíam
da Terra, abriam a Terra para que, com o olho dos seus lagos,
ela contemplasse o céu. Um destino de alturas subia dos abismos.
Os mitos encontravam assim, imediatamente, vozes de homem,
a voz do homem que sonha o mundo dos seus sonhos. O homem
exprimia a terra, o céu, as águas. O homem era a palavra desse
macroântropos que é o corpo monstruoso da terra. Nos devaneios
cósmicos primitivos, o mundo é corpo humano, olhar humano,
sopro humano, voz humana.
Mas esses tempos do mundo falante podem renascer? Quem
vai ao fundo do devaneio reencontra o devaneio natural, um deva-
neio de primeiro cosmos e de primeiro sonhador. Então o mundo
já não está mudo. O devaneio poético reanima o mundo das
primeiras palavras. Todos os seres do mundo se põem a falar
pelo nome que trazem. Quem os nomeou? Não terão sido, tão
bem escolhidos são os seus nomes, eles próprios? Uma palavra
puxa a outra. As palavras do mundo querem fazerirãsesTSaBe-o
bem o sonhador que, de uma palavra que sonha, faz surgir uma
avalancha de palavras. A água que "dorme", negra, na lagoa,
o fogo que "dorme" sob a cinza, todo o ar do mundo que "dorme"
num perfume todos esses "adormecidos" testemunham, dor-
mindo tão bem, um sonho interminável. No devaneio cósmico
nada é inerte, nem o mundo nem o sonhador; tudo vive uma
vida secreta, portanto tudo fala sinceramente. O poeta escuta
e repete. A voz do poeta_é_jjma_vQz do mundo.
Naturalmente, somos livres para passar a mão na testa e afas-
tar todas essas imagens loucas, todos esses "devaneios sobre o
devaneio" de um filósofo desocupado. Mas então já não será
28. Musset escreve (Oeuvres posthumes, p. 78): "O poeta nunca sonhou que
a Terra gira em volta do Sol."
DE \ ASEIO E COSMOS 181
preciso ler a página de Henri Bosco. Não será preciso ler os
poetas. Os poetas, em seus devaneios cósmicos, falam do mun-
do em palavras primeiras, em imagens primeiras. Falam do
mundo na linguagem do mundo. As palavras, as belas pala-
vras, as grandes palavras naturais, acreditam na imagem que
as criou. Um sonhador de palavras reconhece numa palavra
do homem aplicada a uma coisa do mundo uma espécie de
etimologia onírica. Se existem "gargantas" na montanha, não
será porque o vento, outrora, ali falou?29 Em Les vacances du
lundi, Théophile Gautier ouve na garganta da montanha ventos
"animalizados", "os elementos estafados e cansados de suas
tarefas"30. Há, pois, palavras cósmicas, palavras que dão o
ser do homem ao ser das coisas. E é assim que o poeta pôde
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